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Livro mostra a vida de Enzo Ferrari, o homem por trás do mito automobilístico

Por quase 70 anos, Enzo Ferrari dominou um império automobilístico que definiu o mundo dos carros de alto desempenho e que se mantém sólido até os dias de hoje. Mas será que o modenense, tão reverenciado na Itália quanto o próprio Papa, era o mestre retratado pela mídia ou era apenas um déspota implacável que levava seus colaboradores à beira da loucura?

Ferrari – O homem por trás das máquinas” (editora BestSeller) é a biografia definitiva deste mito. Escrita pelo jornalista automobilístico Brock Yates, o livro chegou ao Brasil com um anexo de autoria da editora Stacey Bradley, que analisa a trajetória da empresa da morte de seu fundador até 2014. Yates revelou a verdade por trás das relações de poder bizarras de Enzo Ferrari e sua obsessão por velocidade. A publicação desta biografia não autorizada, em 1991, despertou o furor dos ferraristas mais ferrenhos, bem como a admiração dos historiadores. Inédito no Brasil, ele aborda ainda a rivalidade com Maserati, Jaguar e Porsche e a relação com a família Farina. O tema que deu origem ao filme “Ford vs Ferrari ” está em detalhes no capítulo 16. O encarte de fotos apresenta personagens célebres como Alberti Ascari e Aurelio Lampredi.

E aqui vai um trecho do prefácio da primeira edição, publicada em 1991. “Encontrei Enzo Ferrari em particular apenas uma vez, no final do verão de 1975. Estava em Maranello com Phil Hill, o grande piloto de corridas norte-americano, que venceu o Campeonato Mundial de Fórmula 1 em 1961 pela Ferrari, depois de uma corrida trágica em Monza, em que seu principal rival e companheiro de equipe, o conde Wolfgang von Trips, morreu em um sangrento acidente. Homem sensível e ponderado, Hill deixou a equipe Ferrari um ano depois, em meio a ruidosas recriminações.

Após treze anos de sua partida, Hill e eu chegamos à cidade para trabalhar em um documentário. Sem aviso prévio, ele foi chamado ao escritório de paredes pintadas de azul-escuro da Ferrari. Por um motivo que desconhe­ço até hoje, também fui convidado — e, como jornalista norte-americano sem ligações formais com Hill ou com a fábrica de Ferrari, minha presença parecia totalmente supérflua.

Enzo Ferrari era um homem mais imponente do que eu esperava. Com mais de 1,80m, era meia cabeça mais alto do que Hill, que, como muitos exímios pilotos, era franzino e quase frágil. Seu anfitrião, então com 77 anos, moveu-se com a tranquilidade brusca de um italiano bem-sucedido, o queixo proeminente projetado para a frente, o peito estufado, os braços estendidos, as mãos grandes espalmadas para o alto, pedindo uma aproxi­mação. A cabeleira branca de Ferrari, o nariz romano altivo e o terno sem graça eram marcas registradas conhecidas, e não me surpreenderam. Os óculos escuros, que tinham se tornando cada vez mais comuns em suas aparições públicas e lhe conferiam o aspecto sinistro de um capo enve­lhecido, estavam ausentes, revelando um olhar vivo e instigante. Porém, o que me chocou foi sua voz macia e melodiosa. Eu havia esperado uma voz muito forte, altiva e dominante, ou talvez até mesmo resmungos ao estilo Marlon Brando, muito popularizados em O Poderoso Chefão, filme que fora lançado pouco tempo antes. Havia esperado tudo, menos os tons aveludados que surgiram no recinto silencioso. Os acessos de mau humor de Ferrari eram lendários, mas naquele dia – um dia de reconciliação – ele pareceu moderado e ligeiramente desanimado.

Ferrari contornou sua grande e vazia mesa e pegou Hill nos braços, quase sufocando o californiano. Fiquei ao lado, uma testemunha completamente constrangida daquele reencontro tenso, difícil e bastante atrasado. Naquela época, não entendia muito italiano, mas consegui decifrar o suficiente da conversa para perceber que o diálogo foi rígido e formal. As velhas feridas ainda não estavam cicatrizadas (quando Ferrari e Hill ficaram mais ve­lhos, o rompimento foi reparado e Hill visitou Maranello muitas vezes). O breve encontro terminou com outro abraço e a entrega como presente de dois exemplares autografados da memória não oficial da Ferrari conhecida como “The Red Book”. Evidentemente, não fazia ideia de que algum dia assumiria a enorme tarefa de escrever a biografia daquele homem poderoso e contraditório.

Ironicamente, Ferrari deixou bem pouca coisa no que diz respeito a evi­dências escritas, exceto uma série de autobiografias não oficiais, em causa própria e cuidadosamente editadas, publicadas esporadicamente – de modo tanto público quanto privado – de 1962 até o início da década de 1980. Na maior parte, sua correspondência privada limitou-se a questões de negócios.

Descobri rapidamente que existiam dois Enzo Ferrari: o sujeito privado e a versão pública engenhosamente fabricada. Minha intenção é registrar do modo mais exato e criterioso possível o verdadeiro Ferrari, que, na rea­lidade, era uma combinação dos dois.

A imagem resultante pode ofender muitos de seus seguidores, que chegaram a acreditar que ele era um semideus, um gênio que pessoalmente criou carros incríveis a partir de chapas de aço e alumínio. Infelizmente, este não era o caso, e ao dissecar esse mito serei, sem dúvida, acusado de ser o pior tipo de denunciador de escândalos e revisionista. Nada poderia estar mais longe da verdade. Eu me envolvi neste projeto sem noções preconcebidas. Contudo, o leitor deve prestar atenção ao fato de que, após sua morte, Enzo Ferrari se tornou mais uma mini-indústria do que um simples mortal” .

Auto Destaque

O Caderno Auto Destaque é publicado ininterruptamente desde 1987 no jornal Diário do Pará, apresentando lançamentos e tudo mais sobre o mercado automotivo.

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