Mercado de veículos elétricos e eletrificados: o que está em jogo com a nova política fiscal
Tem sido grande a discussão sobre os impactos de uma reforma fiscal na fabricação, importação e venda de automóveis. Mas Cassio Pagliarini, Chief Strategy Officer da Bright Consulting, dá uma explicação sobre a incidência dos vários tributos e faz uma avaliação de perspectivas futuras. Os principais impostos que incidem sobre os veículos são IPI, PIS/Cofins, ICMS e o Imposto de Importação para os veículos vindo de fora do Brasil.
As reformas fiscais em discussão no Congresso visam unificar esses impostos e simplificar seu cálculo, sua cobrança e o controle contra a sonegação. Alguns desses impostos são monofásicos (cobrados uma só vez), enquanto outros estão sujeitos a várias cobranças durante o processo produtivo, com etapas de crédito. A cobrança em etapas e a disparidade de alíquotas entre categorias de veículos contribuem para a complexidade do sistema de arrecadação. Entre esses impostos, o IPI e o de Importação trazem diferenças fundamentais perante as várias categorias de veículos, de forma a incentivar ou não os segmentos.
Começando com o IPI, imposto monofásico sobre produtos industrializados, existe uma tabela que é atualizada pelo governo federal a cada mudança. Essa tabela tem 460 páginas, 9 delas destinadas a automóveis, tratores, triciclos e outros veículos automotores, suas partes e seus acessórios. Existe na tabela de IPI uma orientação ‘social’, na tentativa de se cobrar menos imposto dos produtos que tragam maior benefícios para a sociedade.
E os critérios de cobrança também variam entre as categorias. Por exemplo, tratores e ônibus acima de determinado tamanho pagam zero de IPI. Recebe o mesmo tratamento a maioria dos veículos de transporte de carga com peso bruto total (PBT) superior a 5 toneladas e veículos de utilidade pública, como ambulâncias, de combate a incêndios, coleta de lixo, betoneira, guinchos e oficinas móveis, entre outros. A partir daí, começam as complicações, pois o imposto dos demais veículos pode variar de 3,27% (para automóveis com motor até 1 litro, com bonificações do programa Rota 2030) a 18,8%, para veículos de passageiros à gasolina e motores maiores.
Os critérios de cobrança também divergem bastante. Para veículos à combustão, o fator decisório é a cilindrada, herança da legislação de carros populares. Não importa se o motor 1.0 seja turbo e esteja instalado num SUV luxuoso, ele vai pagar IPI de ‘carro popular’. Já picapes pagam uma alíquota única, não importa o tamanho ou a motorização, com exceção das exclusivamente elétricas, que não pagam IPI.
Outro critério, mais justo, é o de eficiência energética que gere o imposto cobrado de veículos elétricos, híbridos e plug-in, que vão de 5,27% a 15,05%, sempre com a possibilidade de redução de até 2% pelo Rota 2030. Dessa forma, já passou da hora para que veículos à combustão também sejam regidos por uma regra relacionada a eficiência energética, emissões e segurança que não se descole dos objetivos governamentais para desenvolver o setor e que seja passível de ser absorvida pelo mercado.
Aqui chegamos a uma encruzilhada e várias perguntas se fazem necessárias, como “São realmente necessárias as dezenas de alíquotas diferentes para o setor?” e “Existe verdadeiro benefício social gerado por essas várias alíquotas? Ou a cobrança poderia ser simplificada por meio de poucos níveis pré-estabelecidos?”
Com a grande vantagem dos biocombustíveis na emissão de CO2, é chegada a hora de se buscar um equilíbrio econômico que permita à população abastecer seus veículos com eles. Mas qual a política fiscal para os diversos combustíveis e, dentro da reforma fiscal, como serão as faixas de cobrança para onerar menos os veículos mais limpos e eficientes? E o que se pretende fazer para reaquecer o volume de produção de veículos no Brasil, utilizando a capacidade produtiva ociosa? Noutras palavras, teremos uma nova legislação para veículos que sejam mais acessíveis? Já o Imposto de Importação traz outros problemas. Como regra geral, veículos importados pagam 35% de imposto de importação, na forma de uma barreira comercial para proteção da indústria nacional.
Pra acelerar a introdução de novas tecnologias de mobilidade sustentável no Brasil, as alíquotas para automóveis e picapes foram reduzidas para zero (no caso de veículos elétricos) e entre zero e 4%, para plug-in e híbridos, todas sem prazo para acabar. É interessante observar que ônibus elétricos importados continuam pagando 35% de imposto de importação, apesar do seu apelo social, mostrando claros contrassensos da nossa legislação. Outras perguntas se apresentam: “Como fomentar a produção local de veículos eletrificados, sem bloquear o acesso a novas tecnologias?” “E qual a proporção da barreira necessária para obter um equilíbrio?”
O Brasil deve rever tarifas com o máximo de isonomia, que respeitem objetivos atrelados ao desenvolvimento econômico – o que é muito difícil de se desenhar, quando se contempla todos os segmentos. Seria interessante prover as empresas com limites de importação que permitissem o acesso às novas tecnologias em segmentos nos quais a produção em massa não se justifica no país. Qual a mecânica a ser utilizada?
Além dessa discussão sobre diferenças de alíquotas cobradas entre vários segmentos, existe a questão de facilidade de cobrança dos impostos, com um novo regime monofásico que permitisse unificar impostos e cobrar só na ponta do faturamento ao cliente ou varejista. Essa ação simplificaria a vida dos fornecedores de autopeças, que passariam a pensar menos nos impostos e mais no desenvolvimento de seus produtos. E nesta etapa existem benefícios e isenções que deveriam ser considerados no novo formato de tributação.
A reengenharia da política fiscal brasileira é a ordem do dia e permitirá ver com mais clareza o peso da arrecadação no preço dos produtos, contribuirá na redução da sonegação e tornará as rotinas mais previsíveis do que o atual cipoal da legislação. É um trabalho enorme e entendemos ser primordial que as primeiras soluções sejam apresentadas ainda este ano.
Enquanto a presença de um motor/gerador elétrico nos veículos é algo livre de discussões, pois permite a regeneração da energia que seria perdida, as formas de suprimento variam. A velocidade com que as rotas tecnológicas – BEV, HEV, PHEV, MHEV, FC – serão adotadas depende de seu custo e da taxação que cada uma vai receber. Aqui separamos eletrificação da baterização, pois os veículos à bateria não são economicamente viáveis por enquanto em todas as aplicações, no mundo. Soluções regionais, como o híbrido flex, podem ter seu lugar em determinadas condições e períodos. Conforme já foi expresso pelo CEO da Bright Consulting, Paulo Cardamone, o futuro da mobilidade sustentável no Brasil deve ser eclético, e não elétrico.